O assunto que trataremos neste texto já foi muito mais polêmico do que é hoje em dia. Afinal o conservadorismo que vemos hoje tão forte na sociedade foi construído historicamente a partir dos choques de relações sociais e é uma resposta ao estudo e aprofundamento de muitas questões consideradas “tabus sociais”.
Mas porque a temática salário-maternidade é um destes tabus? A resposta é que por si só ela não é um tabu, porém é um tema que suscita e põe à tona vários tabus como: anti-tradicionalismo, mães solteiras, barriga de aluguel, casais homoafetivos e aborto.
Para elucidar a temática e não fazer deste um texto político mas informativo, será feita uma breve perspectiva histórica da evolução do direito de salário-maternidade, mostrando alguns jogos de interesse e discurso em cima deste direito tão fundamental para as conformações familiares.
Para início de conversa, a questão do salário-maternidade teve suas bases na entrada da mulher no mercado de trabalho. Pois estas mulheres sofriam com pressões dentro do ambiente de trabalho quando o assunto era procriação, era tido como uma escolha irrevogável ter filho ou poder trabalhar. Este fato interferiu nas taxas de natalidade de cidades em crescimento acelerado que gritavam por mão de obra produtiva e quantitativa.
Assim, foi necessário a proteção da maternidade. Garantir que as mulheres em ambiente de trabalho tivesse o mínimo de recurso disponível, no caso o afastamento do cargo ou função, para se dedicar à maternidade.
Entende-se aqui que neste primeiro momento as leis que protegiam e geriam a maternidade tinha como intuito a proteção da instituição familiar. E desse direito social entende-se que o legislador se esforça em proteger a família sobre três importantes aspectos: a fragilidade da criança, a necessidade de preservação da família e a necessidade de contribuição para o orçamento doméstico de todos que constituem a família.
A licença-maternidade deveria ser constitucionalmente prevista e sempre com características imperativa, inviolável e irrenunciável. Era preciso proteger a maternidade e não estritamente a mãe empregada.
Mas após algum tempo, sobretudo com a instituição do ECA em 1990, as crianças passaram a fazer parte cotidiana das agendas jornalísticas em sua qualificação como sujeito de direito. Assim, a licença e o salário-maternidade passaram de uma ideia fincada na proteção da gestante para a proteção da criança, dando atenção inclusive à isonomia ao colocar crianças naturais e adotadas em um mesmo patamar de direitos sociais. Foi aí que então, o direito social legado à maternidade foi também direcionado às mães adotantes.
Só que neste mesmo fluxo de discussões, veio à tona a questão do gênero dos adotantes e foi preciso garantir que a proteção da criança fosse mais importante do que o sexo do segurado.
Mas antes de tratar essa questão iremos esclarecer alguns pontos:
- antes do parto o foco da proteção é a gestante, somente após o parto gestante e criança ganham o mesmo peso, geralmente.
- caso a mãe ou a criança precisem de mais cuidados em relação às suas condições de saúde após o término da licença, o médico pode determinar a extensão do período de licença-maternidade por até 15 (quinze) dias e caso não seja suficiente, a mãe passará a se afastar do seu trabalho e receber não mais a licença-maternidade e sim o auxílio-doença.
- para a previdencia social, não havendo mais a relação de emprego, não é mais concedido o benefício salário-maternidade. O empregador, conforme o caso, efetuará os pagamentos das indenizações trabalhistas.
- esta opinião é expressa diferentemente pela doutrina e pela jurisprudência, que consideram que o benefício é devido enquanto a pessoa for segurada, incluindo o período de graça.
- é considerado nascimento de criança morta quando o evento ocorre após 6 meses de gestação, antes disso é considerado aborto, e tem licença-maternidade, mas o período de gozo ainda não está definido, alguns casos equiparam o parto de natimorto com o aborto e dão 15 dias, em outros dizem que devem ter 120 dias de salário-maternidade como um parto normal.
- o assunto ligado aos casos de aborto já está bem regulado, porém somente para aborto espontâneo ou necessário, o ilegal não, visto que é considerado crime.
- para casos de barriga de aluguel ainda não há posicionamento legal bem definido, pois entra a questão de quem gozará da licença-maternidade e gozará do salário-maternidade e o que é mais importante: a saúde da mãe ou a segurança da criança. Nesse caso, ambos os direitos devem ser protegidos e já é regulado por lei que a mãe adotante tenha o direito à licença-maternidade, mesmo que a mãe biológica já tenha gozado desse direito.
- e para adotantes isso só se transformou em lei em 2002
No começo a referida lei para adotantes estabeleceu um tipo de tabela em que o período da licença-maternidade varia em função da idade do adotado de forma inversa, sendo que quanto maior a idade do adotado menor é o prazo de direito a licença-maternidade. Conforme tabela que segue:
“Crianças adotadas até 1 anos de idade – Licença-maternidade de 120 dias
Crianças adotadas de 1 à 4 anos de idade Licença-maternidade de 60 dias
Crianças adotadas de 4 à 8 anos de idade – Licença-maternidade de 30 dias”
E a lei não estabeleceu o direito de licença-maternidade apenas para as adotantes, também conferiu o mesmo direito aos guardiões legais quando estão nessa condição para fins de adoção. Devido a muitos posicionamentos contra esta tabela qualitativa, em 2013 mudou para que seja de 120 (cento e vinte) dias em todos os casos de adoção de menor de idade.
Bom, voltando a falar sobre a questão do gênero, foi entendida que homens adotantes também teriam o benefício, sobretudo arraigado no princípio da isonomia.
Porém a questão que ficava para casais homoafetivos era se os dois gozariam deste benefício. Desde o princípio a jurisprudência fixou que apenas um receberia. Pensando também na isonomia entre casais tanto hétero como homoafetivos.
Frise-se que o que foi protegido foi o direito da criança até 8 (oito) anos de idade, posto que a partir de tal idade a lei não concede o direito à licença-maternidade para os pais adotantes, apesar de isso ferir gravemente o princípio da isonomia. É como se apenas as crianças menores é que precisassem de tempo para se adaptar à uma nova família.
Há alguns anos parecia muito difícil uma conquista legal deste porte, que se deparasse com tantos tabus em um único momento, como a extensão do direito ao salário-maternidade aos segurados homens que adotassem crianças, e mais ainda a casais homoafetivos. Mas hoje é uma realidade construída à duras penas, que não pode ser objeto de qualquer medida legal atinente a voltar ao “status quo”, conquanto seja um verdadeiro direito humano. Assim, a luta é para que seja vedada o retrocesso nesta área do direito dentro do atual regime constitucional.